Constitucionalismo Liberal

 

A primeira fase do constitucionalismo monárquico é dominada pela instabilidade político-social resultante da proclamação da independência do Brasil por D. Pedro (filho primogénito de D. João VI) e das lutas que se seguiram entre liberais e absolutistas. Estes propunham um reforço do poder real e a aceitação de D. Miguel (irmão de D. Pedro) como herdeiro legítimo do trono. Esta controvérsia, acompanhada por sucessivos confrontos armados, vem a reflectir-se em modelos constitucionais diferenciados: ora um liberalismo democrático, defensor do alargamento do direito de sufrágio, do parlamentarismo puro e do monocameralismo, ora um liberalismo conservador, defensor de maior intervenção do Rei e de um parlamentarismo mitigado pelo poder real e o bicameralismo.

 

                                 Constituição de 1822

 

Capa do original da Constituição de 1822    

 

Primeira página da Constituição de 1822  

Na Constituição de 1822 ficaram consagrados os princípios ligados aos ideais liberais da época: princípios democrático,
representativo, da separação de poderes e da igualdade jurídica e respeito pelos direitos pessoais.

 

"A Nação Portuguesa é representada em Cortes" assim começa o primeiro artigo do Título III. "A soberania reside essencialmente em a Nação. Não pode porém ser exercida senão pelos seus representantes legalmente eleitos", ou seja, pelos deputados das Cortes, a quem cabe exclusivamente fazer a Constituição, sem dependência de sanção do Rei.

As Cortes de 1822 eram formadas por uma só câmara, eleita por um período de dois anos, por sufrágio directo, secreto e sem carácter universal, já que não podiam votar, entre outros, os menores de 25 anos (com algumas excepções referentes aos militares ou a cidadãos casados com mais de 20 anos), as mulheres, os "vadios, os regulares e os criados de servir".

Para se ser eleito deputado era necessário poder-se sustentar através de "renda suficiente, procedida de bens de raiz, comércio, indústria ou emprego".

Os três poderes políticos - legislativo, executivo e judicial - são rigorosamente independentes e o poder legislativo é atribuído às Cortes em exclusivo, embora sujeito à "sancção Real", instituto semelhante ao da promulgação das leis.

O Rei, assistido pelos Secretários de Estado, detinha o poder executivo. Dispunha também de veto suspensivo, podendo devolver às Cortes determinado diploma uma só vez. Bastava uma nova aprovação do primitivo texto, pela mesma maioria parlamentar, para haver obrigatoriedade de promulgação, estando previsto um processo de promulgação tácita para os casos de decurso dos prazos ou de recusa de assinatura.

Nas suas relações com o poder legislativo o Rei não tinha o poder de dissolver o parlamento.

A iniciativa de lei pertencia em exclusivo aos deputados, através de projectos de lei, podendo, no entanto, os Secretários de Estado apresentar propostas de lei que, depois de examinadas por uma comissão das Cortes, poderiam ser convertidas em projectos de lei.

A sessão legislativa durava três meses consecutivos, prorrogáveis por apenas mais um, a pedido do Rei ou por deliberação de dois terços dos deputados presentes.

 

Assinatura real da Constituição de 1822

Naturalmente que este primado do parlamentarismo não agradava aos partidários do absolutismo e com a revolta militar conhecida por Vila-Francada, em Maio de 1823, começa a derrocada da primeira experiência liberal em Portugal.

 

A 2 de Junho de 1823 reúnem-se pela última vez as Cortes do vintismo, aprovando uma Declaração e protesto "contra qualquer alteração ou modificação que se faça na constituição do anno de 1822". Dois dias depois, é assinada pelo Rei uma Carta de lei defendendo a necessidade de reforma da Constituição.

D. João VI chega a convocar os três estados do Reino (clero, nobreza e povo), para se reunirem em cortes nos moldes do antigo regime.

A Constituição de 1822 teria, na sequência da revolução do Setembrismo, em 1836, uma curta e quase simbólica segunda vigência, de 10 de Setembro de 1836 a 4 de Abril de 1838, data do juramento da Constituição de 1838.

 

Retrato da Rainha D. Maria II, réplica do original de F. Krumholz, realizado em 1846

 


 Carta Constitucional de 1826

 

Depois da morte de D. João VI, em Abril de 1826, D. Pedro IV outorga a Carta Constitucional, onde ficam instituídas as Cortes Geraes, compostas pela Câmara dos Pares e pela Câmara dos Deputados; nomeia 72 pares do Reino para constituir a 1ª Câmara e determina a realização de eleições nos termos da Carta, vindo a abdicar, pouco tempo depois, na sua filha, a futura Rainha D. Maria II.

A Carta Constitucional consagra, como representantes da Nação, o Rei e as Cortes Gerais e procura um compromisso entre os ideais liberais expressos na anterior Constituição e as prerrogativas reais.

 
A Carta estatuiu um sistema bicameralista para as Cortes Gerais, sendo a Câmara dos Pares composta por membros vitalícios e hereditários, nomeados pelo Rei, sem número fixo, a que acresciam Pares por direito próprio, em virtude do nascimento ou do cargo.

 

Primeira página do discurso da Infanta Regente, D. Maria, na abertura das Cortes em 30 de Outubro de 1826

A 2ª Câmara, designada por Câmara dos Deputados, passa a ser eleita por sufrágio indirecto e censitário. Nas eleições primárias, em que se elegiam os Eleitores de Província, não se atribuía direito de voto, entre outros, aos menores de 25 anos (idade que poderia baixar para 21 anos, em casos pontuais) e aos "que não tiverem de renda líquida anual cem mil réis", mantendo-se as incapacidades eleitorais activas previstas na Constituição de 1822.

 

Os Eleitores de Província deviam possuir uma renda mínima de duzentos mil réis.

Para se ser eleito deputado subia-se a exigência de renda mínima para quatrocentos mil réis.

O período da legislatura passa para quatro anos, tendo a sessão legislativa a duração de três meses prorrogáveis pelo Rei.

O poder legislativo continua a pertencer às Cortes mas a Carta Constitucional atribui ao Rei um poder de veto efectivo, sanção real, com efeito absoluto.

 

Bandeira adoptada pelos liberais constitucionalistas, usada até à implantação da República (1830-1910)

Esta alteração, relativamente ao estatuído na Constituição de 1822, é uma das consequências da adopção, pela Carta Constitucional, da teoria dos quatro poderes: o legislativo, o executivo, o moderador e o judicial. O poder moderador, neutro, pertenceria ao rei enquanto "Chefe Supremo da Nação".

 

A iniciativa legislativa, direito de proposição, pertencia indistintamente às duas Câmaras ou ao poder executivo, ainda que indirectamente.

O Rei, no exercício do seu poder moderador, passa a ter o poder de dissolver a Câmara dos Deputados.

 

Carta Constitucional de 1826

 

A Carta Constitucional deixou de vigorar em Maio de 1828, data em que D. Miguel convocou os três Estados do Reino que o aclamaram rei absoluto.

 

 Teria mais dois períodos de vigência: de Agosto de 1834 (data da saída de D. Miguel do país) até à revolução de Setembro de 1836 (que, como vimos, restaurou a Constituição de 1822 até à aprovação da Constituição de 1838) e de Janeiro de 1842 até Outubro de 1910.

Durante o último período de vigência da Carta Constitucional, de Janeiro de 1842 (data do golpe de estado de Costa Cabral) até à implantação da República, em 5 de Outubro de 1910, o texto constitucional sofreu alterações através dos Actos Adicionais de 1852, 1885, 1895-1896 e 1907, os quais implicaram importantes mudanças no modelo parlamentar.

 
Acto Adicional de 1852, aprovado na sequência do triunfo do movimento Regenerador que afastou Costa Cabral do governo, estabelece a eleição directa dos Deputados por todos os cidadãos com um mínimo de cem mil réis de renda, baixando assim o censo na capacidade eleitoral activa. Para se ser eleito Deputado mantém-se a exigência de quatrocentos mil réis de renda líquida. Aos possuidores de títulos literários, a determinar pela lei eleitoral, para além de se baixar para 21 anos a idade mínima para votar e ser eleito, era dispensada a prova do censo.

 

Almeida Garrett, escritor e deputado, redactor do 1º Acto Adicional à Carta Constitucional

Leis ordinárias, entretanto publicadas, vieram alargar, sucessivamente, o âmbito da capacidade eleitoral, designadamente a Lei de 8 de Maio de 1878 que considera como possuidores da renda mínima para votar, todos os chefes de família e os alfabetizados.

 

 
Com o Acto Adicional de 1885 - um dos poucos textos constitucionais aprovados sem que tivessem ocorrido previamente movimentos revolucionários ou de ruptura política - a legislatura passou novamente para três anos com o intuito de se "amiudar a consulta ao paiz, dando assim mais auctoridade e prestígio à câmara dos deputados". Limitou-se a 100 o número de pares vitalícios nomeados pelo Rei e estabeleceram-se pares electivos e temporários em número de 50, mantendo-se os pares por direito próprio. Este Acto Adicional regulamentou também o direito do Rei de dissolver a Câmara dos Deputados e a parte electiva da Câmara dos Pares, limitando este poder apenas aos "casos em que o exigir o bem do Estado".

 

Passos Manuel, figura proeminente do Setembrismo

Acto Adicional de 1895-1896 compõe-se de dois textos legislativos: o Decreto de 25 de Setembro de 1895 que, aprovado pelo governo com as Cortes dissolvidas, alterou a Carta sem respeitar as normas nela prevista para a sua revisão e a Carta de lei de 3 de Abril de 1896 que incorporou, em parte, as alterações daquele Decreto.

 

Foram suprimidos os pares electivos, passando a Câmara dos Pares a ser composta por um número máximo de 90 membros vitalícios nomeados pelo Rei, para além dos pares por direito próprio ou por direito hereditário.

A Carta de lei não foi, no entanto, tão longe nos poderes do Rei como o Decreto de 1895, o qual lhe dava, enquanto poder moderador, a possibilidade de promulgar Decretos com força legislativa, caso não houvesse acordo entre as duas Câmaras na elaboração de medida legislativa. A solução para estas situações era a possibilidade de qualquer das Câmaras poder pedir a convocação de uma reunião conjunta, em Cortes Gerais, para votar sem qualquer discussão.

  O último Acto Adicional, decretado em Dezembro de 1907, voltou a alterar a composição da Câmara dos Pares, suprimindo o número fixo de pares nomeados pelo Rei.

 

https://www.parlamento.pt/Parlamento/Paginas/AMonarquiaConstitucional5.aspx