Foral de Castelo Branco
"Diz-se foral ou carta de foral, o diploma concedido pelo rei, ou por um senhor laico ou eclesiástico, a determinada terra, contendo normas que disciplinam as relações dos seus povoadores ou habitantes entre si e destes com a entidade outorgante."
Serrão, Joel, in "Dicionário de História de Portugal" Vol III, Porto 1979
Em nome da santa e indivisa trindade, padre, filho e espírito santo. Assim seja.
Eu, mestre da milícia do Templo, Pedro Alvito, com todo o convento de Portugal queremos restaurar e povoar Castelo Branco, concedendo-vos o foro e costumes d’Elvas, tanto presentes como futuros, para que duas partes dos cavaleiros vão ao fossado[1] e, a terça parte fique na villa: e uma vez por ano façaes fossado.
E aquelle que faltar ao fossado pague 5 soldos[2] de fossadeira.
Por homicídio pague 100 soldos e por cada arromba com armas, escudos e espadas pague 300 soldos e a sétima parte para o palacio[3].
Aquele que furtar pague nove por um, e o denunciante tenha dois quinhões, sendo a sétima parte para o palácio.
Aquele que forçar mulher, e ella chamando disser por quem foi forçada, e ella negar, dê ella prova com três homens da egualha della.
Elle jure com 12.
E se ella não der prova jure elle por si só.
E se elle não puder provar por juramento pague para ella 300 soldos sendo a sétima para o palácio.
E a testemunha falça e fiador mentiroso pague 60 soldos, sendo a sétima parte para o palácio, e duplique o haver[4] .
Aquelle que ferir outrem no concelho, ou em casa ou em igreja, pague 60 soldos, metade para o concelho, e desta metade a sétima para o palácio.
O que for gentil homem ou erodoro[5] não seja meirinho[6].
Aquele que, na villa encontrando penhores e fiador, for penhorar ao monte, duplique o penhor e pague 60 soldos e a sétima para o palácio.
Aquelle que não for ao sinal do juiz[7], e aquele que tirar penhores ao saião[8], pague soldo para o juiz.
E aquelle que não accudir ao appellido[9], quer seja cavalleiro[10] quer peão[11], excepto quem estiver assoldadado, pague 10 soldos, se for cavalleiro, e 5 se for peão, para os vizinhos[12].
E aquelle que possuir aldea[13], e uma junta de bois, e dez ovelhas, e uma besta[14], e dois criados, apresente-se[15] a cavallo.
Quem não cumprir o sinal[16] com sua mulher, pague 1 soldo para o juiz.
A mulher que abandonar seu marido de bênção[17] pague 300 soldos, e a sétima para o palácio.
Aquelle que abandonar sua mulher pague um dinheiro[18] para o juiz.
Quem cavalgar cavallo[19] pague um carneiro se for por um dia, e se for por mais tempo pague de angueiras[20] 6 dinheiros por cada dia, e 1 soldo por cada noute.
Aquelle que ferir com lança ou espada pague 10 soldos.
E se fugir para fora do concelho pague 20 soldos ao queixoso.
E quem quebrar braço, ou dente, ou tirar olho, pague por cada um membro 100 soldos ao lesado, e este dê a sétima ao palácio.
Aquelle que ferir mulher alheia à vista do marido, pague 30 soldos, e a sétima ao palácio.
Quem mudar marcos em herdade pague 5 soldos e a 7 ao palacio.
Quem mudar linda alheia pague 5 soldos e a 7 para o palacio.
Quem matar conducteiro[21] alheio, pague a seu amo multa de homicídio, e sete para o palácio.
O mesmo será do seu hortelão, quarteiro[22], moleiro e solarengo[23].
Quem tiver vassallos em herdade sua, não sirva outro homem tão rico como elle, mas apenas o senhor de solar.
Tendas moinhos e fornos de Castello Branco sejam livres de contribuições.
Os cavalleiros de Castello Branco sejam considerados em juízo como infanções e nobres de Portugal.
Os verdadeiros clérigos[24] tenham as regalias de cavalleiros.
Os peões sejam considerados em juízo como cavaleiros villões de outro concelho.
Quem for vozeiro[25] contra seu vizinho e a favor de homem de fora do concelho pague 10 soldos e 7 para o concelho.
O gado de Castello Branco em terra alguma seja morto.
E o homem a quem morrer o seu cavallo de batalha, ainda que tenha outro, seja isento[26] até ao anno novo.
Mancebo[27] que matar homem de fora da villa, e fugir, seu amo não seja multado por homicídio.
Em todas as querellas com o pallacio o juiz será vozeiro.
Aquelle que na villa penhorar com official de justiça, e lhe for contestada a penhora, dê procuração ao sayão e sejam ouvidos três chefes de família[28], o seja penhorado em 60 soldos, metade para o concelho e metade para o contestante.
Os nobres de Castello Branco não paguem prestamo[29].
E se homens de Castello Branco tiverem questões judiciaes com homens de outra terra, não haja entre elles juramento de calumnia[30], mas sim devassa, ou repto[31].
Todos quantos quizerem demorar-se com seus gados nos campos do termo de Castello Branco paguem de montadigo[32] de cada rebanho de ovelhas 4 carneiros e de busto[33] de vacca uma vacca.
Este montadigo pertence ao concelho.
E a todos os cavalleiros, que forem ao fossado ou a guarda, e perderem seus cavallos, quer na algara quer na lide, lhes dareis primeiramente a importância dos cavallos antes de se apartar a quinta parte da presa, e depois nos dareis a quinta parte de tudo.
Todo o homem de Castello Branco que encontrar homens de outros concelhos nos limites das suas propriedades talando, ou tirando madeira dos montes, tome tudo quanto encontrar sem multa.
De azarias[34] e de guardas nos dareis a quinta parte sem ofreçom[35].
Quem quer que penhorar gado domestico, ou o fizer roubar, pague 60 soldos para o palácio, e duplique o gado a seu dono.
Dispomos e sancionamos em verdade para sempre que toda a pessoa que penhorar mercadores e viajeiros christãos, mouros, ou judeus, não sendo commissarios ou devedores[36], qualquer que isto fazer pague 60 soldos para o palácio, e duplique o gado que tomar, a seu dono.
E além disto pague 100 maravidis[37] de encoutos[38] e o Mestre tenha metade.
Se alguém vier à nossa villa tirar à força mantimentos de bocca, ou outra qualquer cousa, o ahi for morto ou ferido, ninguém por isso seja multado, nem seus parentes possam haver a multa de homicídio.
E se por isto houver queixa perante o Mestre ou o Senhor da terra, pague 100 maravedis, metade para o Mestre e metade para o palácio.
Mandamos e concedemos que, se alguém for ladrão, e se já por um anno ou dois deixou de roubar, se for demandado por alguma cousa, que commetter, salve-se como ladrão; e, se ladrão é, e ladrão foi, soffra pena de ladrão e morra.
E se alguém for levado á justiça por furto, e não é, nem foi ladrão, seja julgado segundo foro que lhe pertence.
Se alguém raptar filha alheia contra a vontade d’ella, entregue-a a seus pães e pague-lhes 300 moravidis: e sete para o palácio: e além disso seja julgado como homicida.
De foro de portagem de trosel[39], ou de collo[40] de panno de linho, ou de lã, 1 soldo o de trorsel de lã 1 soldo
De trosel de fustão 5 soldos.
De carga de pescado um soldo.
De carga levada por asno 6 dinheiros.
De carga de coelhos conduzido por christão 1 maravedil.
De carga de coelhos conduzida por mouro 1 maravedil.
Portagem de cavallo vendido no açougue[41] 1 soldo.
De muar 1 soldo.
De burro 6 dinheiros.
De boi 6 dinheiros.
De carneiros 3 medalhas[42].
De porco 2 dinheiros.
De carga de pão ou de vinho 3 medalhas.
De carga de peão 1 dinheiro.
De mouro vendido no mercado 1 soldo.
De mouro que se remir, a decima.
De mouro que taliar[43], com seu damo a décima.
De couro de vacca ou de zebro[44] 2 dinheiros.
De pelle de veado ou de gamo 3 medalhas.
Da carga de cera 5 soldos.
Da carga de azeite 5 soldos.
Esta portagem é imposta aos homens de fora da villa, sendo a terça para quem lhes der hospedagem, e duas partes para o Mestre e Freires.
Eu frei Pedro Alvito por graça de Deus Mestre da milícia do Templo em algumas partes de Hespanha, juntamente com toda a comunidade de Portugal, confirmamos esta carta, para termos para sempre o domínio e todas as igrejas desta villa.
E todo aquelle que infringir esta carta seja maldito do supremo Deus.
Feita no mez de Outubro da era[45] de 1251.
Mestre D.Pedro Alvito.
(seguem-se as testemunhas e confirmantes)
Notas
[1] Fossado – serviço militar do concelho com fins ofensivos.
[2] Soldo – moeda de prata; 20 soldos correspondiam, em geral, a 1 morabitino.
[3]Palácio – Paços do Concelho ou Casa da Câmara onde se fazia justiça e se pagavam as multas.
[4] Do queixoso
[5] Erodoro – Homem nobre que descendia de herdeiros ou naturais de igrejas, de classe superior aos herdadores ou herdeiros vilões e, por isso não podiam ser meirinhos ou executores de sentença.
[6] Meirinho – Funcionário régio ou senhorial com competências gerais, nomeadamente cobrar impostos e outras receitas.
[7] Sinal de Juiz – Chancela ou sinal que o juiz colocava na ordem citatória.
[8] Saião – Oficial de diligências e também o executor dos tormentos aos criminosos.
[9] Acudir ao apelido – Chamamento às armas.
[10] Cavaleiro, cavaleiro-vilão – Vizinho que participa na guerra com o seu cavalo, beneficiando de certos privilégios e isenções.
[11] Peão – Vizinho que se demarca do cavaleiro, por não possuir cavalo e fazer a guerra a pé.
[12] Vizinhos – Morador e contribuinte do concelho, detentor da plenitude dos direitos e deveres foraleiros.
[13] Aldeã – Propriedade rústica, quinta, casal, herdade, granja.
[14] De carga.
[15] Para serviço militar
[16] Sinal – Assim se chamava também à citação feita pelo saião à ordem do juiz.
[17] Marido de bênção – Marido casado religiosamente.
[18] Dinheiro – Moeda que deveria equivaler a 1/12 do soldo.
[19] De aluguer
[20] Angueira – Aluguer de bestas de carga ou de tiro.
[21] Conducteiro – Criado, serviçal
[22] Quarteiro – Colono que cultiva, dando a 4ª parte do produto ao senhorio
[23] Solarengo – Que vive na dependência de quem preside a um solar (habitação e domínio de um senhor nobre ou de um vizinho importante.
[24] Verdadeiros clérigos – clérigos de ordens sacras, para diferenciar dos outros que tinham apenas prima tonsura, ou eram apenas serviçais das igrejas.
[25] Vozeiro – aquele que diz vozes falsas contra alguém, o que faz acusações falsas e malignas.
[26] Do serviço militar.
[27] Mancebo – criado, serviçal.
[28] Comunidade, freguesia.
[29] Prestamo – Contribuições destinadas a obras públicas ou manutenção de alguma pessoa.
[30] Juramento de calúnia – afirmação jurada
[31] Repto – Desafio com formalidades legais.
[32] Montágio – Imposto cobrado pela pastagem de gados.
[33] Busto – Curral de bois ou vacas, manada, rebanho.
[34] Azarias – quase o mesmo que fossado; o objectivo era para roubar madeira.
[35] Oferçam – Prendas que se ofereciam aos alcaides, para se remir de algum vexame.
[36] De quem o penhorar
[37] Maravedis – Moeda de ouro.
[38] Encoutos – Pena imposta aos que violavam as leis do couto
[39] Trosel – Trouxa, fardo pequeno que se levava na mão.
[40] Collo – Fardo maior que a trouxa, que se levava ao colo.
[41] Açougue – Local de venda de carne.
[42] Medalha – Parte de moeda partida
[43] Taliar – Ajustar-se, assoldadar-se, fazer avença.
[44] Zebro- Boi, vaca, novilho, vitela.
[45] Correspondente a 1213 da era de Cristo